Entrevista com o D. Edward Hiiboro (Bispo de
Tmbura-Yambio, Sudão )
Ser pastor de um rebanho sudanês é um privilégio e um
peso, afirma o Bispo da Diocese de Tombura-Yambio, que
na sua vida conheceu também o que significa ser
refugiado.
O Bispo mais jovem da Igreja Católica no Sudão, D.
Edward Hiiboro, está à frente de uma diocese muito
grande, ainda que materialmente muito pobre, situada no
Sul do Sudão.
Segundo o último censo, há cerca de 2 milhões de pessoas
nesta região, sendo que 900 mil delas são católicas. É
uma diocese antiga: em 2011 fará 100 anos de
Cristianismo.
Esta região está isolada das principais povoações e
cidades do Sudão. A comunicação é muito difícil, o que
contribui para o atraso do local, e há um problema
importante que se enfrenta constantemente: a construção
e reconstrução destes lugares.
O Sudão é o maior país do continente africano. Foi
fustigado por uma extensa guerra civil por motivos de
desigualdade racial e cultural.
Nesta entrevista, D. Edward Hiiboro conta a sua
experiência de trabalhar e viver nos campos de
refugiados, as suas razões de esperança e as suas metas
para a comunidade da sua diocese.
O senhor também nasceu no Sul do Sudão?
D. Hiiboro: Sim, nasci no Sul do Sudão. Logo após ter
nascido, dois meses depois, houve um ataque à minha
aldeia e mataram a minha mãe. Fui criado pela minha avó,
que fugiu da guerra para a República do Congo. Permaneci
lá nove anos. Cresci num campo de refugiados. Voltei
para o Sudão em 1972, após o Acordo de Paz de Addis
Abeba, e continuei os meus estudos, que foram novamente
interrompidos pela guerra de 1983. Fugimos para Cartum,
onde terminei o seminário.
De todos os modos, sou um refugiado, uma pessoa
deslocada, e sei o que significa sair do próprio país ou
abandonar o meu país sem ter absolutamente nada.
Como foi capaz de conservar a sua fé até ao fim ao
longo deste caminho difícil?
D. Hiiboro: Bem, tenho que estar grato à minha avó.
Ela teve uma criação católica. Quando era pequeno,
ensinou-me a rezar. Agora isso é um hábito para mim. Ela
recordava-me, dizendo: "Rezaste?". Quando me levantava
pela manhã, dizia: "Agora temos de rezar. Temos de dar
graças a Deus por estarmos vivos". Aprendi ao longo da
minha vida a ver Cristo em cada situação. E isso foi
convertido no meu lema agora como Bispo.
Qual é o seu lema?
D. Hiiboro: "Cristo realmente ressuscitou". Cristo em
todo o Seu sofrimento e após ser pregado na cruz, não
permaneceu nela. Nem na tumba. Ele despertou,
levantou-Se e ressuscitou. Assim, por trás de toda a
cruz está a vida. Cristo está ali, atrás, sob a tumba, e
sobre ela está a vida. Por isso, sei que as nossas
dificuldades no Sudão, os nossos problemas na Diocese de
Tombura-Yambio não terminarão, mas seremos
ressuscitados. Chegaremos à vida, e vejo a vida ao final
e essa é a minha esperança, e assim acredito.
Foi uma grande mudança para si, que até agora foi um
acadêmico, converter-se de repente em Bispo?
D. Hiiboro: Sim. Eu acolhi a minha nomeação como
Bispo com o coração inquieto, porque sempre quis dar
destaque ao campo acadêmico. Gosto de ler e escrever.
Acabei de publicar o meu último livro: "Human Rights:
The Church in Post-war Sudan".
Quis avançar na escrita, e agora a possibilidade de ser
Bispo numa grande diocese apresenta-se nos meus planos e
nos meus esforços, para construir um tipo de diocese que
deveria ser. Mas sei que é Deus quem me chama a este
trabalho, e é a Sua obra. É o Seu projeto e estou seguro
que não me deixará sozinho. Estará comigo. Cuidará de
mim e dar-me-á pessoas maravilhosas, gente que crê em
Deus. Vou trabalhar com eles, e eles deram-me desde o
momento da minha ordenação uma grande alegria, isso
demonstrou que não estarei sozinho na hora de suportar a
responsabilidade dessa diocese.
Na sua ordenação disse que a responsabilidade é um
peso e um privilégio. Qual é o peso que tomou sobre si?
D. Hiiboro: O peso é a cruz das pessoas; trabalhar
com pessoas nas situações difíceis em que vivem a vida,
a realidade da vida que o meu povo experimenta, a
possibilidade de construir a paz entre eles, a
possibilidade de ter uma vida de acordo com plena
dignidade, a possibilidade de levar à realidade os seus
direitos humanos e de ser filhos livres de Deus.
Sei que não é fácil; não é um caminho fácil. Sei que as
coisas são difíceis. Posso ver e sentir isso. Para mim
isso é um peso e, sobretudo, alcançar a paz no país, que
na minha região é um pouco mais duradoura, mas é um
privilégio porque sou um sacerdote. Sou católico. Sou
cristão.
Por que considera um privilégio uma situação como
esta?
D. Hiiboro: É um privilégio porque sou capaz de
realizar o projeto de Deus. É um privilégio falar em
nome de Deus. É um privilégio trazer a Boa Nova da
salvação para as pessoas que mais necessitam.
O povo está aberto a esta lição de salvação?
D. Hiiboro: Sim, o que é interessante na minha diocese é
que no princípio era uma comunidade aristocrática. As
pessoas tinham reis e escutavam os seus reis.
Quando os cristãos chegaram, há 97 anos, o
Cristianismo substituiu este tipo de tendência a
aliar-se com os reis, e as pessoas abraçaram o
Cristianismo. Não se podia encontrar uma entre cinco
pessoas que não mencionasse o nome de Deus. Assim, pode
ver-se que as pessoas amam o seu Deus. Estão em relação
com Deus. Pode ver-se na minha própria ordenação a
grande alegria que era possível ver nas pessoas.
Ao viajar pelas paróquias pude ver a grande alegria que
tinham por mim, o acolhimento foi grande, e também veio
a presença da Sagrada Eucaristia, a frequência no acudir
aos sacramentos e o seu estilo de vida animaram-me
porque estão abertos à Boa Nova de Deus, e isso
estimula-me muito.
É verdade que tenho muito trabalho para fazer, mas
vejo-o desta forma: a melhor e primeira coisa que tenho
de fazer é aprofundar o processo de evangelização do meu
povo. Eles conheceram a Deus. Eles têm de estar em casa
com Ele. Têm de experimentá-lO e tornar-se a base para
construir uma paz que dure.
Falei e insisti para que as pessoas coloquem Cristo no
centro, sendo o fundamento do que fazem. Só se nos
convertermos a Ele, que é o autor da paz, poderemos ser
capazes de construir a paz.
Quais os desafios que existem?
D. Hiiboro: As pessoas traumatizaram-se durante anos.
Não experimentaram a paz. O único modo de alcançar algo
que conhecem é por meio da violência. Por isso, para
trazer a cultura da paz, é necessário um processo
gradual. Tenho de ir lentamente. Tenho de estudar e
encontrar porque temos sempre dificuldades para
construir a paz.
Sabe, devido à guerra, muitas pessoas fugiram como
refugiados para diferentes países, e todas voltaram com
mentalidades diferentes. Temos muitas que se deslocaram
como refugiados internos para outras zonas do país;
todas voltaram com mentalidades diferentes, e temos
pessoas que nunca saíram durante os tempos de guerra;
estas pessoas também têm visões diferentes.
Agora, juntar todas estas pessoas, o processo de
integração não é fácil; na verdade é muito difícil. Mas
temos de nos ir movendo ao passo de cada um destes
grupos e dizer-lhes que temos uma meta em comum. Temos
de alcançar o equilíbrio correto na construção da paz
entre nós, aceitando todos e cada um de nós.
Pode falar-nos um pouco da sua própria situação?
Também trabalha com os deslocados?
D. Hiiboro: Sim, quando era estudante em Cartum,
antes da minha ordenação e também quando tinha acabado
de me ordenar, trabalhei com pessoas deslocadas. O
Arcebispo enviou-me a um dos campos de refugiados
chamado Jabel Aulia, na parte Norte da cidade.
Fomos o primeiro grupo de pessoas a chegar ao campo de
refugiados. A vida era muito dura. Era um deserto. E
pude ver as mães a cavar buracos na terra para manter os
seus filhos aquecidos. Era Inverno. Fazia muito frio.
Não havia muita coisa para comer.
A vida era dura e foi naquele momento que começamos a
perder as crianças. As pessoas sequestravam-nas. Vinham
fazer mingau de aveia e sequestravam as crianças.
Tivemos de colocar alertas e informar acerca das
crianças perdidas.
Depois de um ano, levaram-me à República
Centro-Africana, para ser reitor de um seminário menor
num campo de refugiados. Estive ali 7 anos, e pude ver o
quanto era difícil para as pessoas viverem longe da sua
terra. A vida era difícil para os seminaristas no campo.
Tínhamos de cultivar a nossa própria comida para
alimentar estes jovens, assim como as pessoas dessa
região. Experimentei, portanto, a vida dos refugiados
assim como das pessoas deslocadas.
Qual seria o seu pedido?
D. Hiiboro: Os meus pedidos são três: peço amizade.
Gostaria que visitassem a minha diocese, e quero
voluntários. Preciso de pessoas que venham para se unir
com nós. Venham visitar-nos e todos aqueles que possam
estar atentos para trabalhar conosco, seria algo
grandioso.
O segundo pedido: queria que vocês escolhessem um
projeto que enfrentasse as emergências, que permitisse
independência e auto-suficiência para que as pessoas
fossem capazes de cuidar de si mesmas. Estes desafios
são muitos: saúde, educação e serviços sociais.
O terceiro pedido que gostaria de fazer é que
continuasse a consolidar-se a paz no país. Não é um
projeto fácil. É difícil. É delicado e pode desfazer-se
a qualquer momento. Estamos a fazer o que nos
corresponde, mas necessitamos dos esforços de muitos dos
nossos amigos que estiveram conosco durante os tempos de
guerra e durante a época de confrontos, para que
novamente seja garantida esta paz e que não se acabe,
que se consolide.
Por isso estou muito agradecido. Sei que o meu convite
para que venham e o meu pedido para que elejam algum
projeto pode levar à independência e à auto-suficiência.
E que contribuam para o processo de consolidação da paz
no país. Por isso, agradeço-lhes muito a importante
ajuda a nós dada no passado. Mantiveram-nos vivos!
Deus, eu diria, chora no Sudão, mas gostaríamos que
sorrisse no Sudão.
Esta entrevista foi realizada por Marie-Pauline Meyer
para "Onde Deus Chora", um programa rádio-televisivo
semanal produzido por Catholic Radio and Television
Network (CRTN), em colaboração com a Organização
Católica Ajuda à Igreja que Sofre.